Laurentino Gomes autor da trilogia. |
"Uma sociedade que não estuda história não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e as razões que a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a si mesma, provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de forma organizada. O estudo de história é hoje, talvez até mais do que qualquer outra disciplina, uma ferramenta fundamental na construção do Brasil dos nossos sonhos em um novo ambiente de democracia."
Laurentino Gomes. Jornalista, historiador e escritor.
INTRODUÇÃO do livro 1889
O QUINZE DE NOVEMBRO é uma data sem prestígio no calendário cívico brasileiro. Ao contrário do Sete de Setembro, Dia da Independência, comemorado em todo o país com desfiles escolares e militares, o feriado da Proclamação da República é uma festa tímida, geralmente ignorada pela maioria das pessoas. Sua popularidade nem de longe se compara à de algumas celebrações regionais, como o Dois de Julho na Bahia, o Treze de Março no Piauí, o Vinte de Setembro no Rio Grande do Sul ou o Nove de Julho em São Paulo. Essas efemérides exaltam vitórias, confrontos ou revoltas locais, respectivamente a expulsão dos portugueses de Salvador; a Batalha do Jenipapo no sertão piauiense ao final da Guerra da Independência; o início da Revolução Farroupilha; e a Revolução Constitucionalista liderada pelos paulistas em 1932. São eventos históricos que nem todos os brasileiros conhecem, porém com os quais a população local fortemente se identifica. Isso não ocorre com a data da criação da República brasileira.Personagens republicanos como Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto são nomes onipresentes em praças e ruas das cidades brasileiras, mas pergunte a qualquer estudante do ensino médio quem foram esses homens e a resposta certamente demorará a vir. Nas escolas ensina-se mais sobre o português Pedro Álvares Cabral, descobridor das terras de Santa Cruz, como o Brasil ainda era conhecido em 1500, ou Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira de 1789, do que sobre os criadores da República, episódio bem mais recente, ocorrido há pouco mais de um século. A história republicana é menos conhecida, menos estudada e ainda menos celebrada do que os heróis e eventos do Brasil monárquico e imperial, que cobrem um período relativamente mais curto, de apenas 67 anos.
A julgar pela memória cívica nacional, o Brasil tem uma República mal-amada.
Esse estranho fenômeno de indiferença coletiva encontra explicações na forma como se processou a troca de regime. O dia 15 de novembro de 1889 amanheceu repleto de promessas cujo significado na época as massas pobres, analfabetas e recém-saídas da escravidão desconheciam. Nas proclamações e discursos dos propagandistas republicanos, anunciava-se o fim da tirania representada pelo “poder pessoal” do imperador Pedro II. Dizia-se que um carcomido sistema de castas e privilégios, herdado ainda da época da colonização portuguesa, acabava de ser posto por terra. Na nova era de prosperidade geral, inaugurada pela República, a construção de um futuro glorioso estava ao alcance das mãos. Haveria menos injustiça e mais oportunidades gerais. Chamados a participar da condução dos destinos nacionais, todos os brasileiros teriam, finalmente, vez, voz e voto.
Havia, porém, uma contradição entre as promessas e a realidade daquele momento. Diferentemente do que faziam supor os discursos e anúncios oficiais, a República brasileira não resultou de uma campanha com intensa participação popular. Em vez disso, foi estabelecida por um golpe militar com escassa e tardia participação das lideranças civis. Apesar da intensa propaganda republicana por meio de imprensa, panfletos, reuniões e comícios, a ideia da mudança de regime político não deslanchava na população. Na última eleição parlamentar do Império, realizada em 31 de agosto de 1889, o Partido Republicano elegeu somente dois deputados e nenhum senador. Os votos colhidos pelos seus candidatos em todo o país não chegaram a 15% do total apurado. O resultado era pior do que o obtido quatro anos antes, no pleito de 1885, quando foram eleitos para a Câmara três deputados republicanos, entre eles os futuros presidentes da República Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Salles (1898-1902). Sem eco nas urnas, os civis encontraram nos militares o elemento de força que lhes faltava para a mudança do regime. A República brasileira nasceu descolada das ruas. “O povo assistiu àquilo bestializado”, segundo uma famosa frase do jornalista Aristides Lobo, testemunha dos acontecimentos.
Outra incongruência aparece na maneira como essa história vem sendo contada. “Um passeio militar” é a descrição mais comum que se vê nos livros sobre a Proclamação da República. A facilidade com que se derrubou um regime e se proclamou outro na manhã de 15 de novembro, sem reação popular, sem troca de tiros, sem protestos, parecia confirmar, uma vez mais, o mito de que as transformações políticas brasileiras se processam sempre de forma pacífica. Essa imagem, no entanto, se desfoca por completo quando se avança um pouco no calendário. Derrubada a Monarquia, o sonho de liberdade e ampliação dos direitos rapidamente se dissipou. Em alguns anos, o país estava mergulhado na ditadura sob o comando de Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”, a quem ainda hoje se atribui o papel de salvador da República.
O sangue que deixou de correr em 1889 verteu em profusão nos dez anos seguintes, resultado do choque entre as expectativas e a realidade do novo regime. Duas guerras civis, somadas à Revolta da Armada, deixariam marcas profundas no imaginário brasileiro. No sul, os dois anos e meio de combates da Revolução Federalista custaram a vida de mais de 10 mil pica-paus e maragatos, como eram chamados os combatentes dos dois lados do conflito. No sertão da Bahia, o sacrifício épico da vila de Canudos resultou na morte de outras 25 mil pessoas e uma história de humilhação para o Exército brasileiro, derrotado em três expedições consecutivas por um bando de jagunços e sertanejos pobres e mal-armados, sob a liderança messiânica de Antônio Conselheiro, ao qual se atribuía, erroneamente, a ameaça de restauração da Monarquia. Somadas as 35 mil vítimas, a República pagou em sangue um preço infinitamente maior do que a Guerra da Independência, cujo número de mortos teria ficado entre 2 mil e 3 mil combatentes brasileiros e portugueses.
As feridas abertas nesses conflitos marcaram profundamente a primeira fase republicana brasileira, na qual os militares tentaram organizar o novo regime mediante censura à imprensa, o Parlamento fechado mais de uma vez, a prisão e a deportação de opositores políticos para os confins da Amazônia. A devolução do poder aos civis, com Prudente de Morais e Campos Salles, respectivamente terceiro e quarto presidentes, nem por isso aproximaria o poder das ruas. A chamada República Velha, período que vai até 1930, se caracterizaria por uma equação política muito semelhante à dos últimos anos do Império. No lugar dos barões do café do Vale do Paraíba, entravam os fazendeiros do oeste Paulista e de Minas Gerais. Por algum tempo, o número de eleitores diminuiu em relação ao total de votantes registrado nos anos finais do Império. Nesta República — também conhecida como “dos Governadores” ou “do Café com Leite” — não haveria lugar para o povo, tanto quanto não havia na dos militares de 1889. Quem mandava era a mesma aristocracia rural que havia dado as cartas na época da Monarquia.
A estranheza entre as promessas e a prática republicanas esclarece, em parte, a atual falta de prestígio do Quinze de Novembro no calendário cívico nacional.
Ainda hoje, poucos eventos na história brasileira são tão repletos de controvérsia quanto a queda da Monarquia, em 1889. No livro Da Monarquia à República: momentos decisivos, a professora Emília Viotti da Costa, da Universidade de São Paulo, faz uma detalhada reconstituição a respeito da forma como essa sequência de eventos foi narrada e interpretada pelos historiadores, cronistas, cientistas sociais e outros estudiosos nos últimos 124 anos. Segundo ela, esta é uma história marcada pelo permanente conflito entre vencedores e vencidos, entre republicanos e monarquistas, entre militares e civis, aos quais mais tarde vieram se juntar os muitos desiludidos com a experiência republicana.
Pela versão dos vencedores, a República teria sido sempre uma aspiração nacional. Seu ideário estaria na gênese da Inconfidência Mineira, da Revolução Pernambucana de 1817, na própria Independência em 1822, na Confederação do Equador em 1824, na Revolução Farroupilha de 1835 e inúmeros outros conflitos e rebeliões sufocados primeiro pela coroa portuguesa e, depois, pelo Império brasileiro. Segundo esse ponto de vista, a Monarquia teria sido uma solução apenas temporária, imposta pelas elites brasileiras sobre a vontade da nação em nome da defesa dos seus interesses pessoais ou de classe. A República seria, portanto, uma etapa inevitável do processo histórico nacional, apenas adiada por circunstâncias de cada momento.
Na versão dos derrotados, ao contrário, o Império, ao invés de ruína, teria sido a salvação do Brasil. Sem a Monarquia, argumentam, o país teria fatalmente se fragmentado na época da Independência, em três ou quatro nações autônomas que hoje herdariam como denominador comum apenas suas raízes coloniais e a língua portuguesa. Ao imperador caberia o papel de manter o Brasil unido, apaziguar os conflitos, tratar com tolerância e generosidade os adversários, além de converter um território selvagem e escassamente habitado num país integrado e respeitado entre as demais nações. Por essa perspectiva, a Monarquia teria raízes culturais e históricas mais profundas do que a República na nacionalidade brasileira, com força suficiente para enfrentar os desafios do futuro, caso não tivesse sido abortada por uma traiçoeira quartelada na manhã de 15 de novembro de 1889.
Observando-se o passado, percebe-se que as duas visões carecem de consistência. A proclamação da República foi resultado mais do esgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais e da campanha republicanos. “A República foi o resultado lógico da decomposição do regime monárquico”, afirmou o historiador pernambucano Oliveira Lima.[3] Durante 67 anos, o Império brasileiro funcionou como um gigante de pés de barro. Os salões do Império procuravam imitar o ambiente e os hábitos de Viena, Versalhes e Madri, mas a moldura real compunha-se de pobreza e ignorância. Havia uma flagrante contradição entre a corte de Petrópolis, que se julgava europeia, e a situação social dominada pela mão de obra cativa, na qual mais de 1 milhão de escravos eram considerados propriedade privada, sem direito algum à cidadania. Nesse Brasil de faz de conta, destacava-se uma nobreza constituída, em sua maioria, por fazendeiros donos ou traficantes de escravos. Eram eles os sustentáculos do trono, que, em contrapartida, lhes conferia títulos de nobreza não hereditária, tão efêmera quanto a própria experiência monárquica brasileira.
Todo esse precário arcabouço político começou a ruir em 1888, com a assinatura da Lei Áurea, que abolia a escravidão no país. Os barões do café do Vale do Paraíba, que dependiam da mão de obra cativa, se sentiram traídos pela coroa. Se dependesse deles, a escravidão continuaria por mais alguns anos. Em caso de abolição, sustentavam que os proprietários deveriam ser indenizados pelo Estado. E isso não aconteceu. Como resultado, a Lei Áurea deu mais combustível à campanha republicana. Muitos antigos senhores de escravos, que até alguns meses antes se diziam fiéis súditos do imperador, aderiram rapidamente à República.
Em seu estudo sobre a Proclamação da República, o historiador pernambucano José Maria Bello demonstrou que republicanos civis e militares foram apenas parte das forças que, direta ou indiretamente, contribuíram para a queda do Império. Uma delas — e talvez a mais forte — era composta dos próprios monarquistas, “para os quais o Império perdera o derradeiro encanto”. Esse “vasto e perigoso partido dos derrotados” incluía os liberais, os reformadores, os abolicionistas e os federalistas — gente como o pernambucano Joaquim Nabuco e o baiano Rui Barbosa, que, até as vésperas do Quinze de Novembro, mantinham-se de certa forma fiéis à Monarquia, mas exigiam dela reformas capazes de dar alguma sobrevida ao regime. Havia também o grupo dos “desgostosos e displicentes”, como os fazendeiros feridos pela abolição da escravatura. Todos esses grupos, direta ou indiretamente, juntaram forças para dar o empurrão fatal que selaria o destino do Império brasileiro.
Some-se a isso o descontentamento reinante nos quartéis desde o final da Guerra do Paraguai, fator decisivo na queda da Monarquia. Oficiais e soldados consideravam-se injustiçados pelo governo do Império. Daí a conferir carta branca ao marechal Deodoro da Fonseca para derrubar o trono foi apenas um passo. “A intervenção militar na política e na sociedade é sinal de fraqueza tanto do Estado como da sociedade”, observou o historiador norte-americano Frank D. McCann, autor de Soldados da pátria, um alentado estudo sobre a história do Exército brasileiro. “O sentimento mais generalizado não era o da crença na República, mas sim o de descrença nas instituições monárquicas”, registrou o brasileiro Oliveira Vianna ao refletir sobre as promessas do Brasil monárquico, com suas instituições liberais, os rituais da nobreza e seus palácios de cristal em Petrópolis, e a dura realidade da escravidão, do analfabetismo e da fraude eleitoral.
O Império brasileiro caiu inerte, incapaz de mobilizar forças e reagir contra o golpe liderado por Deodoro. Apesar de todas as evidências de uma conspiração em andamento, o imperador Pedro II permaneceu em Petrópolis até a tarde de 15 de novembro, ignorando os conselhos para que reagisse de alguma forma. Ao chegar ao Rio de Janeiro, perdeu um longo e precioso tempo, acreditando ingenuamente que no final tudo voltaria ao normal. “Conheço os brasileiros, isso não vai dar em nada”, teria dito naquele dia. Só na madrugada de 16 de novembro, quando o governo provisório republicano já estava anunciado, é que dom Pedro reuniu seus conselheiros mais próximos e tentou em vão organizar um novo ministério. Já era tarde. Nas províncias, a única reação em favor da Monarquia ocorreu na Bahia, surpreendentemente liderada pelo marechal Hermes Ernesto da Fonseca, comandante de Armas de Salvador e irmão de Deodoro. Ao receber as notícias do golpe no Rio de Janeiro, Hermes da Fonseca anunciou que permaneceria fiel ao imperador. Capitulou algumas horas mais tarde ao saber que o próprio irmão liderava a conjura republicana e que dom Pedro II, àquela altura, já estava a caminho do exílio na Europa. “Na verdade, a monarquia não foi derrubada, ela desmoronou”, anotou o jornalista francês Max Leclerc, que percorria o Brasil na época.
Apesar de todas as conquistas de seu longo reinado, o legado de dom Pedro II permanece ainda hoje envolvido em controvérsia. Grande parte dela resulta, obviamente, da mudança de regime, em 1889. Dom Pedro era, naquele momento, a personificação da Monarquia. Turvar sua imagem representava, para os vencedores republicanos, uma forma conveniente de legitimar o novo regime. A campanha republicana se esforçou sempre em apontá-lo como um homem discricionário, detentor de um poder pessoal nocivo para as instituições. Para os perdedores monarquistas, ao contrário, o Quinze de Novembro representava o fim de um sonho, no qual o imperador era o depositário de grandes esperanças que o país levaria muitas décadas a recuperar no futuro. Alguns historiadores, simpáticos ao antigo regime, se esforçaram para criar a figura de um soberano austero, culto e educado, bem-intencionado e totalmente dedicado ao interesse público, cuja ação era constantemente solapada por ministros e chefes políticos corruptos e interesseiros. É o caso de Oliveira Vianna, autor do hoje clássico O ocaso do Império. “Eram realmente os ministros os que deturpavam as intenções do monarca”, escreveu o historiador.
“Eram os ministros os verdadeiros culpados de todas as deturpações do regime.”
Igualmente discutível é ainda hoje o papel desempenhado pelo outro protagonista desta história, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca, um militar idoso e enfermo, cujas forças em 1889 encontravam-se tão esgotadas quanto as do próprio imperador Pedro II. Convertido tardiamente às ideias republicanas, Deodoro agiu aparentemente movido mais pelo ressentimento contra o governo imperial do que por qualquer convicção ideológica. Como se verá nos capítulos iniciais deste livro, o marechal relutou até onde pôde a promover a troca do regime, como exigiam as lideranças civis e os militares liderados pelo professor e tenente-coronel Benjamin Constant. Ao contrário do que reza a história oficial, em nenhum momento o marechal proclamou a República ao longo daquele dia 15 de novembro e só o fez tarde da noite, diante da pressão de seus companheiros de armas e também da inabilidade política do imperador, que, em uma desastrada e inútil tentativa de resistência, indicou para a chefia do ministério justamente o maior de todos os adversários políticos de Deodoro, o senador liberal gaúcho Gaspar Silveira Martins.
Decorrido mais de um século dos eventos de 1889, que avaliação se poderia fazer hoje da República brasileira?
Uma república pode ter muitas faces. Dos 193 países que atualmente compõem a Organização das Nações Unidas (ONU), 149 se definem como republicanos, ou seja, 77% do total. Difícil, porém, é a tarefa de estabelecer com clareza o regime que os governa. A Coreia do Norte, por exemplo, é oficialmente chamada de “república democrática popular”, embora seja governada por uma dinastia, a dos Kim. O poder hereditário, que passa de uma geração a outra dentro da mesma família, é uma característica dos regimes monárquicos. A China se autodenomina igualmente uma “república popular”, mas é comandada por uma oligarquia de partido único, comunista na teoria e capitalista na prática, com escassa participação popular. A Inglaterra, com seu estável e secular sistema representativo, no qual todo o poder, de fato, emana do povo e em seu nome é exercido, poderia ser considerada hoje uma democracia republicana. Prefere, no entanto, ser chamada de monarquia parlamentarista, na qual a rainha exerce papel meramente figurativo. Brasil, Argentina, Alemanha e Estados Unidos são repúblicas federativas, mas cada qual tem o seu próprio sistema eleitoral, diferentes instituições e distintos graus de autonomia para os estados e províncias.
A nomenclatura, portanto, não explica, por si só, o que é um regime republicano. Para entendê-lo, é preciso estudar as raízes de cada povo e sua cultura, ou seja, o complexo conjunto de crenças, valores, sonhos, aspirações e dificuldades que o move ou paralisa ao longo da história.
Durante décadas, o brasileiro relutou, com certa razão, a se identificar com a sua tortuosa história republicana, permeada por golpes militares, ditaduras, intervenções e mudanças bruscas nas instituições e brevíssimos períodos de exercício da democracia. A boa notícia é que essa história mal-amada talvez esteja finalmente mudando. O Brasil exibe hoje ao mundo quase três décadas de exercício continuado da democracia, sem rupturas. Isso nunca aconteceu antes. É a primeira vez que todos os brasileiros estão sendo, de fato, chamados a participar da construção nacional. Apesar das dificuldades óbvias do presente, as promessas republicanas começam a ser postas em prática na forma de mais educação, mais saúde, mais trabalho e mais oportunidades para todos.
É curioso observar que este momento de transformação coincide também com outro fenômeno inteiramente novo na sociedade brasileira. É o interesse pelo estudo da história do Brasil. Ele pode ser observado no mercado editorial de livros, que nunca vendeu tantas obras sobre o tema, e no grande número de títulos de revistas, sites de internet e outras publicações dedicadas ao assunto. Por que história se tornou um tema popular nos últimos anos? Existem várias respostas possíveis, mas uma delas é seguramente que os brasileiros estão olhando o passado em busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira, procuram também se aparelhar mais adequadamente para a construção do futuro. Isso também é uma excelente notícia. Uma sociedade que não estuda história não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e as razões que a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a si mesma, provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de forma organizada. O estudo de história é hoje, talvez até mais do que qualquer outra disciplina, uma ferramenta fundamental na construção do Brasil dos nossos sonhos em um novo ambiente de democracia.
O propósito deste livro é oferecer uma modesta contribuição neste ambiente de transformação e renovado interesse pela história do Brasil. Fiel à fórmula das minhas obras anteriores — 1808 e 1822 —, procuro usar aqui a linguagem e a técnica jornalísticas como recursos que julgo capazes de tornar história um tema acessível e atraente para um público mais amplo, não habituado a se interessar pelo assunto. Acredito que, escrita em linguagem adequada, a história pode se tornar um tema interessante, irresistível e divertido, sem, contudo, resvalar na banalidade. Esse desafio é hoje especialmente importante quando se trata de atrair a atenção de uma geração jovem bastante avessa à leitura.
Como obra de cunho jornalístico, este livro não pretende, nem poderia, oferecer respostas para questões mais profundas envolvendo a história republicana, sobre as quais inúmeros e bons estudiosos acadêmicos já se debruçaram com diferentes graus de sucesso ao longo dos anos. O objetivo é tão somente relatar sob a ótica da reportagem alguns dos momentos mais cruciais daquela época, de maneira a retirá-los da relativa obscuridade em que se encontram hoje na memória nacional. Caberá aos leitores refletir se deles é possível retirar lições que sejam úteis na edificação do futuro. “Qualquer que seja o futuro, para nós, que cremos na nação forte e indivisível, é consolador ver os obstáculos vencidos”, observou certa vez o historiador Américo Jacobina Lacombe. “Isso nos anima a entrever um futuro justo e próspero.”
Por fim, uma breve explicação sobre a estrutura deste livro: os capítulos 1 e 2 antecipam, como em fotografias instantâneas, dois momentos da Proclamação da República. O primeiro é um acontecimento repleto de simbolismo — a pitoresca história de um príncipe da família imperial pego de surpresa pela mudança do regime, destituído de seus títulos e honrarias e da própria condição de cidadão brasileiro enquanto tripulava um navio da Marinha de Guerra nacional do outro lado do planeta. O segundo é uma descrição da sequência de eventos nas horas que antecederam a queda do Império. Os quatro capítulos seguintes oferecem um panorama do Segundo Reinado, um perfil do imperador Pedro II e das transformações do revolucionário século XIX que afetariam profundamente o ambiente político, econômico e social no Brasil. Os capítulos 7 a 13 tratam da campanha republicana, da chamada Questão Militar, da Abolição, em 1888, e de seus protagonistas. Os capítulos 14 a 17 retomam, com maiores detalhes, os eventos relacionados à troca do regime, o exílio e a morte de Pedro II na Europa. A parte final do livro é dedicada à implantação e à consolidação do novo regime, incluindo um pequeno balanço, no derradeiro capítulo, da história republicana brasileira até os dias atuais.
Laurentino Gomes, Itu, São Paulo, abril de 2013
1889 “Como um imperador
cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim
da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”
A impressão que fica: A
República começou numa quartelada, seguida de um golpe militar e uma ditadura
brutal e sanguinária. Que D. Pedro II era republicano. Defendeu republicanos atuantes
como Euclides da Cunha e Benjamim Constant quando foram punidos por defender o
novo sistema. Tornou-se amigo, por insistência sua, de Victor Hugo famoso por
sua luta contra a monarquia em geral. Não fez absolutamente nada para impedir que o
fato acontecesse, aceitou pacificamente os fatos, só não fazia sentido ele
mesmo declarar o fim do seu governo. É necessário conhecer o passado para
entender o presente. O período mais longo e consecutivo de democracia no Brasil
é do fim do golpe militar de 64 até o momento atual.
A leitura da trilogia de
Laurentino Gomes seria importantíssima para que os brasileiros de modo geral deixassem
esta mania idiota de volta a ditadura e impeachment.