quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Duetos

Catedral de Brasília.

                            A Catedral


Por hora

nada mais é que uma estrutura:

vigas monstruosas tecem o espaço.

Se cavará no chão sob as raízes

uma redonda catacumba de fiéis

submergidos em seus véus e negros crepes.

Aqui se deporá a alma forrada em moedas

e misérias, e o homem

escorrerá nestes pilares seus pecados

ouvindo a voz doirada em finos mantos

que toca em sua língua um disco branco

gravado de infortúnios e promessas.

E, então, isto será um feixe de trigo em campo verde

acinturando almas sob o altar.

Mas chamam-na desde agora catedral,

quando é um feixe de pecados rubros no planalto

que nenhuma tempestade lavará.

Em verdade, esses cimentados ferros

guardam segredos concretos

erguidos sobre o espesso sangue do operário

na entressafra imobiliária;

e a lua que passeia branca

nem sempre é uma hóstia: ela escuta

que há bocas secas e ranger de dentes

e afia nas fornalhas do crepúsculo

                                                      – um largo alfanje.

Affonso Romano de Sant’Anna, poeta mineiro, natural de Belo Horizonte.

Foto Paulo Paulo Fernando Fragoso de Carvalho​

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