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Catedral de Brasília. |
A Catedral
Por hora
nada mais é que uma estrutura:
vigas monstruosas tecem o espaço.
Se cavará no chão sob as raízes
uma redonda catacumba de fiéis
submergidos em seus véus e negros crepes.
Aqui se deporá a alma forrada em moedas
e misérias, e o homem
escorrerá nestes pilares seus pecados
ouvindo a voz doirada em finos mantos
que toca em sua língua um disco branco
gravado de infortúnios e promessas.
E, então, isto será um feixe de trigo em campo verde
acinturando almas sob o altar.
Mas chamam-na desde agora catedral,
quando é um feixe de pecados rubros no planalto
que nenhuma tempestade lavará.
Em verdade, esses cimentados ferros
guardam segredos concretos
erguidos sobre o espesso sangue do operário
na entressafra imobiliária;
e a lua que passeia branca
nem sempre é uma hóstia: ela escuta
que há bocas secas e ranger de dentes
e afia nas fornalhas do crepúsculo
– um largo alfanje.
Affonso Romano de Sant’Anna, poeta mineiro, natural de Belo Horizonte.
Foto Paulo Paulo Fernando Fragoso de Carvalho