domingo, 19 de agosto de 2018

DO RABO DO TATU À ANTENA PARABÓLICA

Apito feito com rabo de tatu.
A primeira vez que ouvimos falar do apito feito com rabo de tatu foi em conversa com o índio Paulo Celso (Paulinho Pankararu) que, ainda muito jovem, se dizia preocupado com a preservação da cultura de sua gente.
Contava-nos ele que o referido apito era usado pela tribo, desde tempos imemoriais, para afugentar "Pragas da Roça" com absoluto sucesso. Sua preocupação prendia-se ao fato de que os seus irmãos da tribo estavam regressando à aldeia, após conclusão de cursos como os de técnicos agrícolas, e desprezavam o uso do apito como coisa de feitiçaria, recomendando em seu lugar o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas nas culturas agrícolas. Assim, ninguém mais se dava ao trabalho de caçar um tatu em época certa. Em seguida, cortar e secar o rabo do bicho e ainda, com arte e destreza, entalhar o apito, que deveria ser usado em cerimonial pelo Pajé, sempre à noite de sexta-feira com lua nova, apitando e fazendo orações nos quatro cantos da roça para obter o efeito desejado.

O tal apito era, sobretudo, eficiente contra as pragas de gafanhotos que frequentemente assolavam a região, funcionando como uma espécie de repelente sonoro para os insetos.
Pensando sobre tal fenômeno, sabemos que os ortópteros, grupo zoológico ao qual pertencem os gafanhotos, em geral, são muito sensíveis a determinadas frequências sonoras.
 Quem não já ouviu um "canto" de grilo ou esperança? No caso dos gafanhotos-pragas, estes possuem grande sensibilidade, à estímulos sonoros originários do ambiente e dos próprios gafanhotos. Considerações sobre os hábitos dos insetos feitas pelo Professor Argus Vasconcelos, biólogo e especialista na área.

 Assim, talvez seja explicado o mencionado sucesso em afugentar os gafanhotos das culturas, sob o estímulo sonoro provocado pelo apito.
Na minha última visita à terra dos Pankararus, não encontramos Paulinho, que agora é advogado e participa de uma entidade nacional  ligada a defesa dos índios e da sua cultura. 
Porém, tivemos contato com seu tio, o cacique João Biga, que nos falou, com imenso respeito, do apito de rabo de tatu. O velho cacique demonstrou seu pesar no desinteresse dos jovens, pelos costumes dos seus antepassados. Hoje, pouco se sabe da língua falada pelos Pankararus. Só algumas palavras soltas, muitas vezes sem significado, formam o pobre vocabulário dos mais velhos da tribo.
Perdeu-se a língua como elemento importante na organização cultural de um povo.
Dança do Toré
Preparação para oToré
Algumas solenidades como o Toré, Menino do Rancho e a Festa do Umbu, sobrevivem, porém, bastante descaracterizadas. Na verdade, teimam em sobreviver, subjugadas pela cultura alienígena que chega à aldeia através de possantes antenas parabólicas, como podem ser vistas hoje sobre humildes casebres de taipa da aldeia e em outras regiões.

Antena Parabólica 

Dos apitos para afugentar as pragas, só restavam dois, que se constituem hoje verdadeiras relíquias.
Algumas centenas de índios Pankararus ainda sobrevivem dos milhares da grande nação, que com certeza, a julgar pelo descaso do Governo, pela invasão constante das suas terras e pela exploração inescrupulosa aos seus recursos naturais, vão desaparecer com a sua rica cultura, juntamente com os tatus, pacas, veados, e arribaçãs. 
Mulher Pankararu e seu cachimbo. 
No final da conversa com o velho cacique dos Pankararus, notamos no seu olhar melancólico, que vagava entre o apito e a antena parabólica, na expressão do seu rosto o apelo desesperado para que, juntos, lutássemos pela preservação da cultura indígena, que é inegavelmente um patrimônio da humanidade.
João Biga
João Biga me presenteou com um dos apitos feito com o rabo de tatu, que guardo até hoje, num gesto significativo, pois sentiu que seríamos solidários com a sua luta.


Paulo Carvalho
Argus Vasconcelos de Almeida.
Fotos Paulo Carvalho

Dados sobre o povo Pankararu. Os pankararus são um grupo indígena brasileiro que habita as proximidades do médio rio São Francisco, nos limites dos municípios de Tacaratu e Petrolândia, ambos no estado de Pernambuco (na Área Indígena Pankararu e Terra Indígena Entre Serras), e o Norte da Serra do Ramalho, no município de Bom Jesus da Lapa, no estado da Bahia (na Área Indígena Vargem Alegre). São hábeis tecelões, suas redes, tapetes e cordas são conhecidas em toda região. Nas suas terras cultivam a Pinha, hortaliças, feijão, milho e mandioca.
Fonte wikipedia. Wikinativa

Este artigo, sem as fotos, foi publicado no JC no final dos anos noventa.

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