sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Duetos

Monumento Tortura Nunca Mais.  Foto Paulo Carvalho
Para que nunca mais aconteça, para ficar na memória dos justos a insanidade da tortura, vale a pena reler este poema.
Contribuição para a Campanha Nacional Permanente Contra a Tortura.

Paulo Carvalho

 O TORTURADO E SEU TORTURADOR

                                   Affonso Romano de Sant’anna

Apanhado em meio a noite,
jogado ao chão da cela,
o corpo nu conhece
a primeira humilhação.
Outras virão: o soco,
o choque, a ameaça,
o urro na escuridão.

- Quantos volts
suporta um corpo
               - em coação,
até que dele escorra o fel
da delação?


- O que procura o tortura/dor
nas pedras do rim alheio
como vil minera/dor?
- O que ama esse ama/dor
da morte?
Esse morcego suga/dor
sob os porões da corte?
Esse joga/dor
do jogo bruto
               e cria/dor do luto?

O tortura/dor se sente, e acaso o é,
um trabalha/dor diferente:
seu trabalho é destruir
o sonha/dor insistente,
como o médico que resolvesse
matar de dor
                  - o cliente.

Sob tortura
o que há de melhor no homem
jamais se manifesta. Quando muito
podeis catar no chão
o pouco que dele resta.

Mas soltai-o em festa, ao sol,
e vereis que a verdade
de seus gestos se irradia.

Livre,vestindo a pele do dia,
o torturado caminha
com seu corpo tatuado
de violência e poesia.

Mas ele não marcha só.
Apenas segue em frente
na direção da utopia.

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